Conceder financiamento à empresa em recuperação judicial é uma loucura?

Há não muito tempo fui inquirido com a pergunta que epigrafa este artigo.

Num primeiro momento, a resposta imediata tende a ser “sim”, é uma loucura conceder financiamento a uma empresa em Recuperação Judicial, vez que, dado o seu estado recuperacional, a empresa não ostenta boa saúde financeira, tendo que, por isso, rediscutir seus débitos junto aos seus credores, sob pena de experimentar do amargor de falir.

Todavia, tenho para mim que muito deste receio advém do já superado instituto da concordada, anterior ao instituto atual da Recuperação Judicial e regulado pelo Decreto 7.661/45, revogado, integralmente, pela Lei 11.101/05.[1]

Assim sustento, pois, quando da vigência do Decreto 7.661/45, não se falava na existência de créditos extraconcursais. Os créditos eram classificados como I - créditos com direitos reais de garantia; II - créditos com privilégio especial sobre determinados bens; III - créditos com privilégio geral; ou IV - créditos quirografários, de modo que os créditos recebidos durante a concordata eram alocados para pagamento ora com privilégio geral, ora como quirografário.

Por certo que a pouca importância que o referido decreto dava aos créditos contraídos no período de manutenção e subsistência da atividade econômica, portanto, muito contribuiu para um cenário onde sequer se pensava em conceder crédito a devedor em RJ, ainda mais quando não se outorgasse qualquer garantia à dívida.

A Lei 11.101/2005, entretanto, inovou ao prever, por meio do rol do art. 67, a situação fático-jurídica na qual, em caso de eventual falência, os créditos decorrentes desta situação serão considerados extraconcursais, ou seja, terão prioridade no pagamento.

Vejamos.

O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp (Recurso Especial) 1.398.092-SC, firmou o entendimento de que, em se tratando de empresa em RJ, entender-se-ia como créditos extraconcursais todas aquelas obrigações contraídas pelo devedor após a decisão que defere o processamento da recuperação judicial.

É basicamente o que já previa o art. 67 da LFR[2] desde 2005, quando estipulou que “os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência [...]”.

A classificação dos créditos, com previsão no art. 83 da LFR, seja na Falência, seja na Recuperação Extra ou Judicial, obedecerá tanto ao Princípio da Concursalidade quanto ao Princípio da Pars Conditio Creditorum, de modo que os credores deverão receber de acordo com a ordem estabelecida em lei e dentro dos limites estabelecidos por ela, não se podendo dar tratamento prioritário a qualquer credor.

A prioridade de tratamento apenas justificar-se-á quando prescrita pelo legislador, tal qual no caso dos chamados créditos extraconcursais, com rol previsto no art. 84 da LFR. Nesse sentido, é claro o legislador ao prever que os créditos extraconcursais gozam de preferência sobre os créditos previstos no artigo 83, onde estão elencados créditos como os trabalhistas e decorrentes de acidente de trabalho; os com garantia real e os decorrentes de obrigação tributária, por exemplo.

Quando uma instituição financeira (bancos de varejo, fundos de investimento e/ou cooperativas, v.g.) concede empréstimos e/ou financiamentos a empresas em RJ, portanto, outorgam o status da extraconcursalidade ao seu crédito.

Dito de outra maneira, por se tratar de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, terá o credor preferência no recebimento da quantia, nos moldes do art. 67 da LFR e do entendimento unânime do STJ.

Contudo, para tanto, algumas cautelas devem ser tomadas.

A uma, pois, a obrigação que se quer contrair precisa ter sido aprovada pelo competente Comitê de Credores, nos moldes do art. 69-A da LFR.

A duas porque a extraconcursalidade não se aplica a todas as modalidades de financiamento. Aplica-se apenas à modalidade de DIP Financing, trazida pela Lei 14.112/2020 e importada da legislação falimentar estadunidense (§2º do art. 69-C, da LFR).

A três porque, mesmo dentro dos créditos extraconcursais, há uma prioridade de pagamentos, conforme estipula o art. 84 da LFR. A depender da natureza da transação e dos moldes como aconteceu, o crédito extraconcursal poderá ocupar os primeiros ou os últimos lugares na ordem dos pagamentos de créditos extraconcursais.

Ao cabo, portanto, caro leitor, concluímos que, dada a agudeza do legislador em mostrar-se sensível aos credores que contribuem para a manutenção da atividade econômica da empresa recuperanda, elencando seus créditos com status de extraconcursais e dando-lhes prioridade de pagamento, firmar obrigações com empresas em Recuperação Judicial mostra-se muito mais seguro, desde que adotadas as cautelas apontadas anteriormente, do que firmar negócios jurídicos com empresas que não estejam em RJ.

[1] Não se desconhece que às falências ocorridas antes da entrada em vigor da atual Lei 11.101/2005, ainda se aplicam as diretrizes do Decreto 7661/45. Isso em observância ao direito intertemporal.

[2] Lei de Falência e Recuperação Judicial – nº 11.101/2005

Por Eduardo Francisco de Siqueira

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). Atualmente é advogado no escritório Sato, Lima e Cabral – Advogados Associados. É mestrando no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Autônomo do Brasil (UNIBRASIL/PR), bolsista PROSUP/CAPES, membro do grupo de pesquisa Jurisdição e Democracia do PPDG do Centro Autônomo do Brasil (UNIBRASIL/PR) e exerce função de secretariado na Revista de Direitos Fundamentais e Democracia (RDFD). Além disso, é pós-graduando (lato sensu) nos cursos de Direito Notarial e Imobiliário e Direito Processual Civil, ambos pela Escola Superior da Advocacia (ESA). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil e Processual Civil, atuando principalmente nos seguintes temas: direito de família, direito das obrigações, direito contratual, direito das sucessões, direito empresarial e direito das coisas. Academicamente, tem como linha de pesquisa: as teorias da justiça, a teoria dos precedentes e a teoria da tomada de decisão e análise dos fatos.

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