Nos últimos anos, a integridade empresarial e a agenda ESG se tornaram palavras de ordem no mundo dos negócios. As empresas não são mais avaliadas apenas pelos seus lucros, mas também por seu compromisso com valores éticos, responsabilidade ambiental e social, além de uma governança transparente.
Logo, a passada de bastão do antigo modelo econômico do Capitalismo de Shareholder – modelo criado em 1970 pelo Nobel de economia Milton Friedman que estimulava a busca pelo lucro dos acionistas como propósito central – para o Capitalismo de Stakeholder – que fomenta a criação de valor para toda a cadeia e partes interessadas, como investidores, funcionários, a comunidade e os parceiros de negócios – está cada vez mais visível no âmbito corporativo.
Mais do que somente gerar valor às partes interessadas e descobrir o seu propósito de existência corporativa, a agenda ESG está intrinsecamente relacionada à identificação dos riscos corporativos, tais como o operacional, jurídico, financeiro e reputacional.
Neste contexto, a due diligence, já consagrada como um pilar dos programas de compliance, tem, de forma progressiva, desempenhado um papel essencial para auxiliar as empresas que desejam conhecer com profundidade seus parceiros de negócio, sendo parte fundamental dos processos de KYS (Know Your Supplier) e KYC (Know Your Customer), e prevenção de riscos corporativos.
A título de exemplo prático recente, sobre o fatídico episódio de infrações de direitos humanos descobertos nas vinícolas do sul do país, Célia Negrão relata que as práticas de due diligence, em especial da cadeia de suprimentos, poderiam ter sido cruciais. Em primeiro lugar, serviriam para evitar que a situação deflagrada fosse perpetuada, pois, minimamente, haveria uma melhor avaliação acerca dos potenciais riscos gerados pelo fornecedor. Em segundo lugar, quando da materialização do risco, haveria uma possibilidade de demonstrar objetivamente quais medidas seriam adotadas para resolução do caso enfrentado[1].
Entretanto, diante dos desafios de um mercado cada vez mais consciente e dos clamores sociais por implementar efetivamente práticas e processos corporativos sustentáveis, sobretudo como medidas estratégicas, que possam mitigar os escândalos recentes de empresas envolvidas em infrações de direitos humanos e/ou socioambientais/climáticos, e, consequentemente, os riscos reputacionais relacionados, a due diligence tem ganhado novos contornos, que quando aliada à pauta ESG, tem sido gradativamente mais praticada por diversas companhias no meio empresarial.
Uma pesquisa recente sobre a due diligence com abordagem ESG analisou informações de mais de centenas de profissionais envolvidos com fusões e aquisições na Europa, Oriente Médio e África (EMEA), trazendo como esta ferramenta vem afetando as operações de M&A[2].
A partir desta pesquisa temos que: (i) 69% dos investidores consideram relevante as informações sobre os riscos climáticos do Target; (ii) a maioria dos investidores (82%) incluem dados ESG em sua análise em fusões e aquisições; (iii) 50% dos investidores pagariam um prêmio por uma meta que demonstrasse um alto nível de maturidade ESG alinhado com prioridades ESG; (iv) 69% dos investidores disseram que o cancelamento do negócio foi consequência de uma descoberta relevante que viola aspectos ESG; e (v) apenas 23% consideram relevante a força das políticas internas e defesas de cibersegurança. Este estudo revela que cada vez mais os investidores estão exigindo a adoção de critérios ESG pelas organizações e um melhor preparo na divulgação (disclosure) dos dados ESG relevantes ao mercado.
Neste mesmo sentido, outro estudo demonstra que 94% dos investidores também fazem análises de aspectos ESG durante as auditorias anteriores à transação, sendo que 30% deles mudam sua decisão de investir de acordo com essa análise. Por fim, 54% dos investigados reduzem o preço oferecido para aquisição do ativo com base nos resultados de suas análises[3].
Esse cenário vem se refletindo na esfera legislativa de diversos países que vêm publicando novas regulamentações que buscam coibir práticas indevidas ou contrárias à sustentabilidade e à agenda de direitos humanos, inserindo o processo de due diligence como requisito essencial, objetivando diminuir a ocorrência de violações de direitos humanos em toda sua cadeia de suprimentos, calcanhar de Aquiles de todas as organizações, onde certamente estão as maiores vulnerabilidades e riscos corporativos, englobando, deste modo, os fornecedores de produtos e serviços, desde a extração de matéria-prima, até a entrega do produto acabado ou a prestação dos serviços aos seus clientes.
Em solo brasileiro, podemos citar o Decreto 9.571/2018, que estabelece as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos. Podemos extrair deste normativo, o inciso VI, do art. 7º, o qual menciona “compete às empresas garantir condições decentes de trabalho, por meio de ambiente produtivo, com remuneração adequada, em condições de liberdade, equidade e segurança, com iniciativas para: (…) “VI – avaliar e monitorar os contratos firmados com seus fornecedores de bens e serviços, parceiros e clientes que contenham cláusulas de direitos humanos que impeçam o trabalho infantil ou o trabalho análogo à escravidão”.
Isto é, ainda que tais diretrizes devam ser implementadas voluntariamente pelas empresas (art. 1º, § 2º), a tendência é que pouco a pouco as empresas brasileiras sintam os reflexos do reforço do dever de diligência, seja através da soft law (por conta de uma obrigação contratual ou por uma imposição de suas matrizes estrangeiras) ou da hard law (considerando-se o aumento das legislações conectadas à temática, vide Reino Unido, Noruega e França).
Não à toa, em julho de 2022, o Parlamento Europeu votou uma diretiva de Devida Diligência e Sustentabilidade Corporativa, estabelecendo regras sobre a responsabilidade das empresas com os direitos humanos e com a obrigação de realizar devida diligência em sua atuação corporativa em toda a cadeia de valor – fornecedores e pós-venda – que será ampliada à cada nação europeia.
Na Alemanha, de forma antecipada e ainda mais assertiva, entrou em vigor no início deste ano a Lei de Diligência em Cadeias de Fornecimento (também chamada de Lieferkettensorgfaltspflichtengesetz ou LkSG), que reforça as práticas de diligência em sua cadeia de suprimentos, visando a identificação, prevenção e mitigação de qualquer tipo de trabalho forçado, infantil, discriminação, violação à liberdade de associação, emprego antiético, condições inseguras de trabalho e degradação ambiental. Ressalta-se que as multas previstas pela LkSG podem chegar a 2% do volume de negócio global médio anual das empresas.
Em suma, vale consignar que a due diligence ESG não serve apenas para operações de M&A, ao contrário, serve para preparar, prevenir e aumentar o valor reputacional e do ativo em caso de venda futura.
Para isso, examinará questões de práticas ambientais internas e de parceiros, como regularidade de licenças e o atendimento às leis aplicáveis (compliance ambiental), sem contar os riscos climáticos envolvidos; questões ligadas à aspectos de mídia ou reputacionais, como episódios de infrações à direitos humanos; e condutas praticadas aos seus colaboradores, como o cumprimento de legislações de saúde e segurança, assédio sexual e/ou moral, bem como iniciativas de diversidade e inclusão na alta liderança; remuneração com isonomia de gênero de diretores e colaboradores.
Aspectos relacionados à implementação das regras de privacidade, proteção de dados e cibersegurança, disclosure de informações relevantes às agências reguladoras, como CVM e Banco Central, dentre outros elementos e riscos identificáveis de acordo com a atividade desenvolvida.
Contudo, mesmo diante deste contexto, ainda existem dúvidas acerca de como se podem ser realizados os procedimentos de identificação de riscos e materialidades, tão vitais para esta due diligence com abordagem ESG, embora elaborar e implementar uma matriz de riscos e de materialidade após a conclusão da auditoria seja um bom começo.
Portanto, a due diligence ESG, mais do que analisar aquele checklist documental orientado para materialidades em um processo de fusão e aquisição, serve para orientar a adoção de elementos de ESG nos valores e missão da organização, além de capacitar a organização a performar e ter um bom desempenho nos padrões ESG, uma vez que, além de gerar lucro, estes passaram a ser relevantes na venda/aquisição do target, pois melhoram a reputação e a marca corporativa, diminuem os riscos para o closing da operação, além de potencializar o acesso a talentos, clientes e capital.
Em conclusão, seja diante de uma operação de M&A ou através de um procedimento de KYS, realizar uma due diligence ESG poderá permitir identificar seus riscos e passivos, construir políticas institucionais, e uma cultura orientada para os valores ESG, assim como poderá ajudar a evitar o ingresso de parcerias que poderão se mostrar um péssimo negócio para sua empresa, permitindo, finalmente, a perpetuação da organização em um mercado cada vez mais competitivo.