A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou nesta terça-feira (12) o projeto de lei complementar que prevê a reformulação do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (PLP 27/2020). O texto torna impenhoráveis as quotas-parte de capital das cooperativas de crédito; permite o pagamento de bônus e prêmios para a atração de novos associados; e inclui as confederações de serviços no sistema.
Proveniente da Câmara dos Deputados, a proposta recebeu parecer favorável do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), com o acréscimo de uma emenda. Seu relatório foi lido pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO). A CAE também aprovou requerimento para que a matéria tramite em regime de urgência no Plenário do Senado.
Cooperativas de crédito
O projeto altera a Lei Complementar 130, de 2009 (que instituiu o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo – SNCC) sob três perspectivas: atividades e negócios; organização sistêmica; e gestão e governança do modelo.
O texto permite a gestão de recursos oficiais ou de fundos públicos ou privados por cooperativas de crédito, contanto que sejam para concessão de garantias aos associados em operações com a própria cooperativa gestora ou com terceiros.
O SNCC é composto por cooperativas de crédito, que são instituições financeiras formadas pela associação de pessoas para prestar serviços financeiros exclusivamente aos seus associados. Estes, por sua vez, agem como donos e como usuários ao mesmo tempo: participam da gestão da cooperativa e usufruem de seus produtos e serviços (como conta corrente, aplicações financeiras, cartões de crédito, empréstimos e financiamentos). As cooperativas de crédito são autorizadas e supervisionadas pelo Banco Central, ao contrário dos outros ramos do cooperativismo, tais como transporte, educação e agropecuária.
Segundo Vanderlan Cardoso, que foi o relator da matéria na CAE, essa proposta aprimora a legislação existente por meio de novas regras sobre a captação de recursos, a área de atuação, o quadro social, a assembleia geral, o conselho geral, o conselho fiscal, o quadro de atuação, a distribuição de sobras e os saldos de capital das cooperativas de crédito.
Vanderlan destaca que, de acordo com dados do Banco Central, o cooperativismo de crédito é um relevante provedor de recursos a seus associados — com ênfase nas micro, pequenas e médias empresas —, que apresenta crescimento acima da média dos demais segmentos. “Observamos que as cooperativas de crédito podem ser importante fonte de desconcentração bancária”, afirma ele.
O relator apresentou apenas uma emenda ao texto, com o objetivo de especificar na ementa que o projeto se destina a “incluir as confederações de serviço constituídas por cooperativas centrais de crédito entre as instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo e entre as instituições a serem autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil”.
Participação
As cooperativas de crédito no SNCC podem ser: singulares, centrais de cooperativas e confederações de cooperativas centrais. As singulares devem ser constituídas por um mínimo de 20 pessoas físicas (ou jurídicas sem fins lucrativos ou com atividades correlatas às de pessoa física). As centrais são compostas por no mínimo três singulares. E as confederações de cooperativas centrais também devem ter pelo menos três. Os níveis de operações ficam mais complexos conforme aumenta essa agregação.
Hoje, os associados de uma cooperativa de crédito têm poder igual de voto, independentemente da sua cota de participação no capital social da cooperativa. O cooperativismo não visa a lucros, os direitos e deveres de todos são iguais e a adesão é livre e voluntária.
O resultado positivo da cooperativa é conhecido como sobra e é repartido entre os cooperados em proporção com as operações que cada associado realiza com a cooperativa. Assim, os ganhos voltam para a comunidade dos cooperados. No entanto, o cooperado também está sujeito a participar do rateio de eventuais perdas, em ambos os casos na proporção dos serviços usufruídos.
Confederações
O projeto aprovado na CAE inclui explicitamente na legislação as confederações de serviço constituídas por cooperativas centrais de crédito, que se encarregam, por exemplo, da organização e da padronização de procedimentos, do planejamento estratégico, da coordenação da capacitação profissional e da gestão de pessoas e da representação sistêmica perante o poder público e o Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop). As confederações são cooperativas “agregadoras” de várias outras instituições cooperativistas. Trata-se de uma forma de “reunir” as centrais e disponibilizar a melhor operação. As centrais não são obrigadas a integrar uma confederação.
De acordo com o projeto, as confederações em funcionamento na data de publicação da futura lei (decorrente do PLP 27/2020) deverão solicitar autorização ao Banco Central no prazo de 180 dias.
O texto também prevê que, a partir de regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN), o conselho administrativo ou a diretoria executiva das cooperativas poderá definir como ocorrerá a distribuição de bonificações, prêmios e outras vantagens em campanhas promocionais de captação de novos associados ou de aumento de capital por parte dos já participantes.
Segundo a proposta, essa distribuição deverá ser feita de forma isonômica e não deverá ser caracterizada como distribuição de benefício (que é proibida). Não poderão fazer parte das cooperativas singulares de crédito a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, e suas respectivas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes. Também não poderão fazer parte do quadro social as pessoas jurídicas cujas atividades exerçam efetiva concorrência com as atividades principais da própria cooperativa de crédito.
Setor público
O projeto especifica que a captação de recursos de municípios, seus órgãos e empresas ocorrerá apenas por cooperativas singulares de crédito, permitindo ainda o repasse de bancos oficiais ou de fundos públicos e a prestação de outros serviços de natureza financeira e afins a entidades integrantes do poder público.
De acordo com o texto, essas operações com municípios poderão abranger a área de ação das cooperativas singulares, definida como aquela dos municípios onde tenham instaladas sua sede e demais dependências; e a área de admissão de associados, que pode alcançar pessoas domiciliadas em qualquer lugar do país segundo as possibilidades de reunião, controle, realização de operações e prestação de serviços por meios presenciais ou eletrônicos.
Compartilhamento de risco
A proposta também prevê que será admitida, conforme regulamenta o CMN, a realização de operações de crédito com o compartilhamento de recursos e de riscos por um conjunto de cooperativas de crédito integrantes de um mesmo sistema cooperativo.
Desfiliação
Quanto à saída, por iniciativa própria, de cooperativa singular da cooperativa central de crédito a que esteja filiada, o projeto permite que isso ocorra se houver a concordância da maioria de seus associados com o objetivo de se tornar independente; ou da maioria dos associados votantes que representem, no mínimo, um terço dos associados no caso de filiação a outra cooperativa central de crédito.
Seja por iniciativa própria ou da cooperativa central, essa desfiliação somente poderá ocorrer, de acordo com a proposta, se a cooperativa singular estiver enquadrada nos limites operacionais — como capital integralizado e patrimônio de referência.
O texto prevê que regra igual valerá para as cooperativas centrais que pretendem se desfiliar das confederações, mas nesse caso o quórum exigido deve ser maior: apoio de 2/3 das associadas à cooperativa central se for por sua iniciativa, assegurada a participação de representantes legais da confederação com direito de voz em assembleia geral convocada exclusivamente para esse fim.
Quando uma cooperativa de crédito atingir uma situação que possa causar perdas aos seus associados, o projeto prevê que o Banco Central poderá autorizar a cooperativa central de crédito ou a confederação a assumir sua administração em caráter temporário, contanto que esteja sujeita à sua supervisão. Enquanto durar essa medida, a cooperativa de crédito ficará impedida de se desfiliar da respectiva cooperativa central ou da confederação e de romper contrato com a supervisão. Aquela que assumir a administração poderá afastar quaisquer diretores e membros dos conselhos fiscal e de administração da cooperativa atingida, sem necessidade de aprovação em assembleia geral ou de previsão no estatuto social.
Incorporação
Para o caso de cooperativas de crédito incorporadas por outras com perdas, a proposta prevê que a assembleia destinada a aprovar a incorporação definirá o valor da parcela de prejuízo para cada associado e poderá determinar que o direito de recebimento desses créditos seja destinado aos fundos garantidores com a finalidade de realização de operação de assistência e de suporte financeiro.
O texto determina que essa dívida deverá ser paga, prioritariamente, com as sobras dos exercícios seguintes a que o associado devedor faria jus na cooperativa incorporadora e com os valores de remuneração anual de suas quotas-parte (taxa Selic).
De qualquer modo, ficaria preservado o direito ao fundo de cobrar a dívida de cada cooperado pelas vias ordinárias, nos termos da cessão de crédito.
Assistência técnica e social
De acordo com o projeto, as cooperativas de crédito e as confederações de serviços serão obrigadas a constituir o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, composto por um mínimo de 5% das sobras líquidas apuradas no exercício, devendo destinar os recursos para a prestação de assistência aos associados e aos familiares.
Se houver previsão expressa no estatuto, a assistência poderá ser oferecida aos empregados da cooperativa ou confederação e à comunidade situada em sua área de atuação.
Saldos não procurados
Já os saldos de capital, da remuneração de capital ou das sobras a pagar não procurados pelos associados demitidos, eliminados ou excluídos deverão ir para o fundo de reserva da cooperativa de crédito depois de cinco anos desse desligamento.
Bancos cooperativos
O texto deixa claro que a contratação, pelas cooperativas de crédito, de serviços de bancos cooperativos não forma vínculo de emprego de seus empregados com esses bancos.
Panorama
Segundo o Sistema OCB (Organização das Cooperativas do Brasil), as cooperativas de crédito possuem atualmente a maior rede de atendimento entre as instituições financeiras do país, com mais de 7,6 mil pontos físicos. São, de acordo com esse levantamento, a única opção disponível em 264 municípios do país. No âmbito do crédito rural, são responsáveis por cerca de 21% dos contratos realizados e de cerca de 18,7% do volume financiado. Além disso, totalizam aproximadamente 19% dos contratos de crédito aos pequenos negócios e em torno de 13% do valor contratado a partir do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
De acordo com o panorama mais recente divulgado pelo Banco Central (referente a 31 de dezembro de 2020), a quantidade total de cooperados do SNCC atingiu 11,9 milhões em dezembro de 2020, sendo 10,2 milhões de pessoas físicas e 1,7 milhão de pessoas jurídicas. O percentual da população associada a cooperativas de crédito alcança 4,9% no país, estando presente em todas as regiões.
Outros requerimentos na CAE
A CAE também aprovou outros requerimentos nesta terça-feira, entre eles o da senadora Margareth Buzetti (PP-MT) que solicita audiência pública para debater a venda de pneus feitas pelos fabricantes diretamente aos transportadores — o que, segundo ela, representa um problema “grave”.
A comissão também aprovou requerimentos do senador Paulo Paim (PT-RS) que solicitam audiências públicas para debater “o descaso do governo federal com a Receita Federal do Brasil” e “o processo de privatização das refinarias Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco; Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná; e Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul; bem como os ativos logísticos integrados a essas refinarias”.
Fonte: Agência Senado